Um misto de ópera bufa e cinismo generalizado foi o que se viu na sessão deste domingo (17), na Câmara Federal, quando 367 deputados votaram a favor da abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Imbuídos de um falso espírito cívico, os parlamentares sequer disfarçaram o cunho político da votação, que durou seis horas. Discursos fascistas, moralistas e contraditórios deram o tom das falas dos que entraram para a história como golpistas.
A maioria dos deputados sequer mencionou, em oficiais 30 segundos de fala, as pedaladas fiscais, argumento central da peça de impedimento protocolada pelos advogados direitistas Miguel Reali, Janaína Paschoal e Hélio Bicudo. Muitos dos que “julgaram” a presidenta são investigados em crimes de corrupção, a começar pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha.
Citado em esquema de recebimento de propina, sonegação fiscal e outros crimes, ao proferir seu voto, Eduardo Cunha disse “que Deus tenha misericórdia desta nação”, como num prenúncio de dias sombrios e retrocessos sociais num possível governo comandado pelo vice-presidente e conspirador-mor da república, Michel Temer. O beija-a-mão ao cacique peemedebista, durante a semana, no Palácio do Jabuti, levou dezenas de parlamentares a mudarem o voto em troca de cargos num futuro governo de coalisão neoliberal.
Deputado cita até torturador
Enquanto o povo tomava as ruas, de um lado e de outro da luta de classes levada ao Parlamento, os congressistas pareciam zombar da Nação, nas justificativas de seus votos. O que se viu foi um verdadeiro desfile de maridos, esposas, pais e avós dedicados. Homens públicos que pensam mais em suas esposas, filhos e netos, esquecendo que a política se faz para o bem da coletividade.
A deputada Raquel Muniz (PSC-MG) dedicou o voto pelo impeachment a seu marido, o prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz (PRB). “Meu voto é em homenagem às vítimas da BR-251. É para dizer que o Brasil tem jeito e o prefeito de Montes Claros mostra isso para todos nós com sua gestão”, anunciou a deputada. Na manhã desta segunda-feira (18), o prefeito foi preso por corrupção pela Polícia Federal, em Brasília, de onde será levado ainda hoje para aquela cidade do Norte de Minas.
Numa demonstração de que o fascismo pode ser herdado, a fala dos deputados Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) e de seu pai Jair Bolsonaro (PSC-RJ) não deverá ficar desbotada na memória das novas gerações. Ambos dedicaram seus votos pelo impeachment aos militares que destituíram João Goulart há 52 anos.
“Pelo povo de São Paulo nas ruas com o espírito dos revolucionários de 32, pelo respeito aos 59 milhões de votos contra o estatuto do desarmamento em 2005, pelos militares de 64, hoje e sempre, pelas polícias, em nome de Deus e da família brasileira, é sim. E Lula e Dilma na cadeia”, disse Bolsonaro, o filho.
“Perderam em 64 e perderam agora em 2016”, ecoou Bolsonaro pai, que dedicou seu voto à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi em São Paulo, órgão de repressão política que foi palco de torturas durante o regime militar.
Coragem e coerência no voto pelo “não”
Do outro lado, os 137 parlamentares contrários ao golpe, em sua maioria, justificaram as pautas e avanços sociais conquistados nos últimos 13 anos como indispensáveis ao país. Muitos mostraram a contradição do processo de impedimento da presidenta sem crime de responsabilidade e sem que nada pese contra Dilma. Outros chamaram atenção para o fato de estar se armando no Brasil uma conspiração golpista comandada por Cunha-Temer, com o apoio da grande mídia.
Em um dos votos mais aplaudidos, a deputada Professora Marcivania (PCdoB-AP) denunciou o que na sua avaliação seria a “hipocrisia” dos que votavam pelo impeachment. “Eu acho que nunca vi tanta hipocrisia por metro quadrado, dizer que vai lutar contra a corrupção colocando Temer e Cunha no poder. O povo sabe e vai enxergar isso”, afirmou.
Em seu voto contra o impeachment, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) citou o líder guerrilheiro Carlos Marighella, considerado um dos maiores inimigos da ditadura. “Senhor Eduardo Cunha, o senhor é um gangster. O que dá sustentação a sua cadeira cheira a enxofre. Eu voto por aqueles que nunca escolheram o lado fácil da história. Voto por Marighella, por Plinio de Arruda Sampaio, por Luis Carlos Prestes, eu voto por Olga Benário, eu voto por Zumbi dos Palmares, eu voto não”, disse.
Também bastante aplaudida, uma das principais defensoras do Governo Dilma, a deputada federal Jandira Fegali (PCdoB-RJ) votou logo após Jair Bolsonaro e respondeu ao defensor do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. “Ficou claro para a sociedade brasileira qual é a aliança pelo impeachment. Que reúne corruptos e torturadores, como Jair Bolsonaro. A luta apenas começou”, afirmou a comunista.
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terça-feira, 19 de abril de 2016
Em tom de escárnio, deputados golpeiam a democracia e admitem abertura do impeachment de Dilma
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